Dr. Oscar Bacelar

Dr. Oscar Bacelar

Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, Virum Doctíssimum pela Universidade de Basel - Suíça. Autor de oito livros.

Dr. Oscar Bacelar

"Lembro-me que, quando criança, todo sábado de manhã meu pai me chamava para acompanhá-lo à casa dos pacientes. Enquanto ele cuidadosamente fazia a barba e passava a sua melhor loção, eu buscava o seu capote, tão alvo que chegava a doer os olhos.

Ao chegar à casa do doente, a família toda aguardava na sala para ver o Doutor. Alguém trazia uma bacia, um sabonete fechado e uma toalha bem limpa. Ali mesmo ele lavava as mãos. O paciente, bem cheiroso, o aguardava ansioso. Ele sentava a beira do leito e deixava o paciente falar livremente. Após, examinava e explicava detidamente a estratégia de tratamento. Ao final da consulta, sentava na sala, onde tomava um café passado na hora, conversava amenidades e confortava a família. Já na porta de saída, o cônjuge estendia discretamente um envelope para o Doutor.

No caminho de casa, após as visitas, ele me pedia que contasse quanto havia dentro dos envelopes. Os valores em espécie não eram os mesmos, pois ele não cobrava a visita, dizia que honorário era um pagamento feito por serviço especial, por merecimento e vinha da palavra honra. Desta forma, o valor deveria ser definido por quem recebesse o serviço.

Todos queremos de volta os velhos doutores. Bem vestidos, cultos e atenciosos. Que nos conhecem pelo nome, que lembram da nossa história, que se preocupam conosco, que tocam na gente, que checam a pressão, que olham nossas mucosas, que auscultam nossos pulmões, que apalpam nossa barriga e que martelam nossos joelhos. Um pouco amigo, um pouco sacerdote; aquele que ouve, compreende e procura resolver a nossa dor.

Anos mais tarde, estava eu na da Santa Casa de Misericórdia e nas suas amplas enfermarias. Onde o já senhor, Dr Marrano, discípulo de Vieira Romeiro, ensinava os estigmas da insuficiência hepática. Vamos ver um paciente com ascite e icterícia na nona enfermaria, tem um paciente com respiração de Cheyne Stokes na sétima. Era uma escola prática. Tratados de Medicina sendo passados e repassados ao vivo. Para aprender bastava querer. Todos estavam dispostos a ensinar. Via-se mais pessoas de branco que doentes. Muitos mestres, inúmeros monitores. O prazer do aprendizado. O conceito hipocrático sendo posto em ação, pois como ele escreveu: "assim como o cultivo das plantas é o ensino da Medicina. Nossa disposição natural é o terreno; os preceitos dos mestres, a semente; a instrução começa desde a infância, esta é a sementeira feita em tempo oportuno; o lugar em que se dá a instrução é o ar de que os vegetais tomam alimento; o estudo contínuo é a mão de obra; o tempo, enfim, fortalece o todo até a maturação."

Muito além das doenças, no entanto, está o ser que nela habita. Estender a mão ao doente, solidarizar-se a dor alheia, confortar os familiares e explicar o problema clara e pacientemente é que diferencia os que nasceram médicos, no sentido latu senso, dos que simplesmente estudaram medicina.

Quando o médico olha o paciente e se coloca na posição dele e como "o outro de si mesmo", como um ser humano que está em sofrimento (paciente vem do latim patior = aquele que sofre), é capaz de internalizar uma relação mais humanizada. A capacidade de interpretar meticulosamente, atentamente, a queixa que aquele paciente coloca, de forma singular, é o que vai fazer o médico chegar ao diagnóstico correto. Não há melhor instrumento diagnóstico do que o cérebro do médico, nem nunca haverá.

Algoritmos e organogramas podem confundir quando os casos são mais complexos. Assim como exames complementares em excesso podem desvirtuar o raciocínio.

O legítimo interesse pelo paciente é o que todos procuram. Espontaneidade, cordialidade, empatia, acessibilidade e solidariedade, como há mais de cem anos já ensinava o Doutor Osler: "É tão importante conhecer a pessoa que tem a doença como conhecer a doença que a pessoa tem."

A relação médico - paciente é de confiança onde, na melhor das hipóteses, os dois, em conjunto, devem concordar com a proposta terapêutica após o médico colocar as opções possíveis, sem autoritarismo ou ganho secundário. Para isso, o médico precisa ser um cidadão com um linguajar acessível, deve dominar sua especialidade e ser moralmente ético.

A família é uma entidade vulnerável e o paciente clama por ajuda. Uma mão estendida, uma orientação, uma palavra de conforto, um apoio são coisas que fazem parte do atendimento médico, independente da conduta terapêutica propriamente dita. Isso não é caridade ou sacerdócio, faz parte da obrigação profissional do Doutor.

Esconder-se atrás do jaleco branco, tecer comentários ininteligíveis ou usar o receituário para livrar-se do paciente são condutas inadequadas. Não somos "prescritores", como colocam atualmente em nossos crachás nos congressos. Entregar um papel carimbado não deve ser a razão do nosso trabalho. Muito mais que isso, conhecer a pessoa, descobrir seus problemas e ajudá-la a saná-los, como protagonista do seu próprio corpo, deve ser nossa meta.

A medicina tem o seu limite, óbvio. Afinal, morrer é o último capítulo da vida. Mas, mesmo para morrer, é preciso dignidade, é preciso informação, é preciso conversar com os familiares, é preciso mitigar a dor.

E, para o médico deve ficar a sensação do dever cumprido. A de que ajudou seu paciente, durante toda a sua vida e, também, na hora da sua morte."

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